O abandono afetivo é definido como o abandono de um familiar por parte do membro da família que tem a responsabilidade e o dever de cuidado para com o outro, notadamente do progenitor em relação ao filho menor e do filho maior em relação ao progenitor. O abandono afetivo é um sentimento de rejeição ou o desinteresse de um ente pelo outro, praticado de livre e espontânea vontade. 

Para além do abandono material, o abandono afetivo tem a ver com o dever de assistência moral, psicológica e afetiva, assim como o direito à convivência familiar, que é fundamental para o desenvolvimento integral, a saúde e o bem-estar físico e emocional da criança, do jovem e dos mais vulneráveis.

Caracteriza-se pelo ato de abandono, o descumprimento de um dever de cuidado e proteção e o efetivo dano causado em decorrência do abandono.  

Discute-se se o abandono afetivo configuraria uma espécie de dano moral indemnizável, entendimento que vem sendo maioritariamente aceito no Brasil pela doutrina e pela jurisprudência nacional, invocando-se a dignidade da pessoa humana e o dever de cuidado parental que decorre do artigo 227.º da Constituição Federal do Brasil, a saber:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Tal artigo encontra semelhança com o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe: Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

Mas o abandono afetivo indemnizável não é incontroverso no direito brasileiro, apesar do Superior Tribunal de Justiça já ter se posicionado a favor do mesmo. Por outro lado, há quem defenda que o afeto, o amor, o carinho, etc., são inexigíveis. Ou seja: não se pode, por exemplo, obrigar um pai a amar e conviver com o filho, responsabilizando-o civilmente por isso. O afeto não configuraria, assim, dever jurídico do genitor. 

O afeto é sentimento humano espontâneo, genuíno, de maneira que não pode ser forçado ou imposto pelo direito, sob pena de se mercantilizar relações familiares, quantificando-a financeiramente, quando esta lógica patrimonialista não é, de todo, desejável no direito de família.

Este é o entendimento, de lege ferenda, seguido em Portugal, que não reconhece nos seus julgados a possibilidade de indemnização em decorrência de abandono afetivo. Com efeito, o remédio jurídico para o abandono afetivo deve ser encontrado no âmbito do próprio direito de família, através das ações de alteração e de incumprimento das responsabilidades parentais, cuja lei prevê a possibilidade de multa e indemnização (artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 141/2015). 

Isto é, em Portugal, a questão não é tratada no âmbito do direito civil como espécie de dano moral indemnizável. Os julgadores portugueses alegam que não há meios de impor o cumprimento coercivo de suas sentenças, situação que acaba por fortalecer quem abandona, face a sensação de impunidade. 

De facto, não se pode negar os aspetos subjetivos que envolvem o abandono afetivo e que são de difícil comprovação. Acresce que a configuração do nexo de causalidade entre o dano e o ato cometido pelo agente, que deve ser praticado de forma reiterada, com intenção dolosa ou culpa, acarreta uma maior dificuldade em concretizar o dano.

Por tudo isto, sem negar e sem desconsiderar os malefícios psíquicos e os efetivos danos que o abandono afetivo poderá causar, as dificuldades de comprovação do mesmo são extremamente elevadas, seja no direito brasileiro seja no direito português. E, ainda que ultrapassada a discussão sobre a possível reparação do abandono afetivo por via de uma indemnização, a verdade é que não se pode afastar a máxima “sem dano não há responsabilidade”.

  

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