Muita repercussão tem merecido uma decisão do Tribunal da Amadora, na qual, num caso de violência doméstica em que foi dado como provado o crime de ofensa a integridade física, o processo foi suspenso, ficando o agressor obrigado, com a concordância da ofendida, a levá-la em passeios lúdicos às suas expensas.

Presume-se, não obstante a agressão, que o casal mantém a relação. Mas apesar de não conhecer o processo, não parece fazer sentido a injunção imposta ao agressor, não só porque não consciencializa a comunidade para a reprovação da conduta e o bem jurídico tutelado, como também, no mínimo não previne eficazmente futuros comportamentos semelhantes por parte do agressor. 

Seguindo um entendimento divergente, parece ter mais razão uma decisão emanada do país vizinho, onde o Tribunal superior modifica uma decisão do Tribunal de Pontevedra por entender que o facto de uma vítima de violência doméstica permitir que o seu agressor se aproxime, apesar da medida protetiva de afastamento, não autoriza o agressor a fazê-lo.  Para o Tribunal de Espanha, as decisões judiciais prevalecem sobre a vontade das partes, concluindo que o facto deve sempre ser entendido dentro de um contexto de inegável intimidação e falta de autoestima da vítima consubstancial a episódios prolongados de violência doméstica.

Esta última decisão coaduna-se com o mais recente Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em matéria de violência doméstica, de 22/03/2022, no qual, o estado Búlgaro é condenado por as suas autoridades judiciais e policiais não haverem, oportunamente, adotado medidas operacionais razoáveis de polícia e medidas processuais adequadas a proteger a vida da vítima, designadamente realização de uma avaliação adequada do risco tendo em conta o contexto específico e a dinâmica da violência doméstica, bem como apreensão de arma e detenção do arguido por violação de ordem de proibição de contato com a vítima. Neste caso, as autoridades terão violado o artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Arrisco dizer que a decisão da Amadora peca por configurar uma posição ao meu ver paternalista, pouco ou nada educativa e cuja recomendação não se compreende no contexto da criminalidade que se pretende combater, além de condicionar o cumprimento da injunção à aceitação de terceira pessoa. Já a decisão de Espanha, que considero mais acertada, poderá levantar vozes contrárias se se considerar que não respeita a vontade e a autonomia da pessoa capaz, ainda que vítima de um crime grave e que requer a intervenção e proteção do Estado.

Esta é a importância do Estado capacitar os operadores do direito e pessoas que lidam com crimes que tais, como também, assegurar às vítimas de crimes de violência doméstica e de género o acompanhamento por advogado ou advogada, de maneira a serem devidamente informadas sobre os seus direitos e desta forma poderem prestar o seu consentimento válido, tal como acontece para o arguido. E é neste sentido que a Ordem dos Advogados e autoridades na matéria vem se pronunciando, conclamando pela obrigatoriedade de aconselhamento jurídico às vítimas de crimes de violência.  

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