Muita repercussão tem tido o episódio ocorrido no dia 30 de julho, quando os filhos dos atores brasileiros Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso foram insultados com expressões racistas num restaurante na Costa da Caparica, em Portugal. Pelo que se noticia, a agressora pedia que as crianças de 9 e 7 anos, e outra família de angolanos, se retirassem do local e retornassem para a África, além de chamá-los de “pretos imundos”.
No Brasil, a conduta da mulher poderia configurar o crime de injúria movido por motivo racial, inserido no capítulo dos crimes contra a honra e tipificado no § 3.º do artigo 140.º do Código Penal. Segundo o qual, a ofensa direcionada a indivíduo específico e consistente na “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, é punida com pena de reclusão de um a três anos e multa.
Mas em Portugal, há uma lacuna na legislação quando se trata dos crimes de discriminação e injúria movidos por ódio racial. Em verdade, a legislação penal portuguesa não prevê nenhuma agravante ou qualificadora do crime de injúria previsto no artigo 181.º do Código Penal, se ou quando perpetrado por motivo racial, como fez o legislador brasileiro. Os chamados crimes de ódio, que podem ser definidos como a prática de atos de violência determinados por “ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual da vítima”, podem levar à aplicação de uma pena mais elevada somente no caso dos crimes de homicídio (artigo 132.º, n.º 2, al. f), do CP) e de ofensa à integridade física (artigo 145.º, n.º 2, do CP), qualificando-os.
Já o crime de discriminação e incitamento ao ódio e a violência, previsto no artigo 240.º do Código Penal português, configura-se quando há a constituição de organização ou o desenvolvimento de atividade de propaganda organizada, ou quando alguém divulga publicamente materiais que incitem a discriminação, o ódio ou a violência contra uma pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica.
Ou seja, para que a injúria racial seja crime com base no artigo 240.º do Código Penal português, é necessário que a conduta ocorra em espaço público e através de um meio destinado à divulgação, por exemplo, a comunicação social, não sendo de se excluir a divulgação através das redes sociais. Por outro lado, qualquer conduta que tenha ocorrido entre agressor e vítima, ainda que praticada publicamente, sem que seja através de um meio destinado à divulgação e com esta motivação, é de se excluir.
De forma similar, no Brasil os crimes de racismo estão previstos na Lei n.º 7.716/1989, de 5 de janeiro, conhecida como Lei do Racismo, destinada para quando as ofensas são praticadas contra uma coletividade, por exemplo, toda uma raça, sem especificar o ofendido.
A legislação portuguesa considera, ainda, determinados comportamentos discriminatórios como sendo contraordenações, como tal definidos no artigo 4.º da Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, e que basicamente ocorre quando uma pessoa é impedida de exercer os seus direitos relacionados ao acesso a bens e serviços, ao emprego e formação, ao ensino e ao sistema de saúde públicos ou privados, dentre outros, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.
Com efeito, daquilo que se tem conhecimento, o crime que vitimou os filhos de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso mais parece configurar o crime de injúria previsto no artigo 181.º do CP português, punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias. Eventualmente, num esforço de interpretação, a pena poderá ser elevada de um terço se se considerar que a ofensa foi praticada em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, isto é, em local e entre pessoas públicas.
Significa dizer que a injúria racial só pode ser considerada na legislação portuguesa em termos muito restritos. Por outro lado, Portugal é signatário de diversos instrumentos internacionais de direitos humanos e contra todas as formas de discriminação racial, de maneira que o caso pode e deve ser sinalizado às instâncias internacionais como forma de obrigar o Estado português a cumprir os seus preceitos constitucionais, se posicionar e legislar sobre a matéria, tal como está vinculado perante a comunidade internacional.
