Entrou em vigor no dia 20 de agosto deste ano a nova Lei da Saúde Mental – Lei n.º 35/2023, de 21 de julho – que veio substituir a lei anterior, de 1998.
A revisão dessa matéria se impunha, por força de compromissos assumidos por Portugal no âmbito da Organização Mundial de Saúde, do Conselho da Europa, da União Europeia e de outras instâncias internacionais.
A Lei da Saúde Mental dispõe sobre a política de saúde mental nacional, consagra e regula os direitos e deveres das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental e as garantias de proteção da liberdade e autonomia dessas pessoas.
Direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental
Entre os direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental está o de ser informada e esclarecida; decidir, na medida de suas capacidades, sobre os cuidados que lhes são impostos; ver respeitadas as suas vontades e preferências, que podem ser previamente expressas sob a forma de diretivas antecipadas de vontade; não ser sujeitas a medidas privativas de liberdade de duração ilimitada ou indefinida, dentre outros.
Com o objetivo de assegurar esses direitos, o seu titular pode ser representado por acompanhante ao abrigo do regime jurídico do maior acompanhado; por procurador de cuidados de saúde; por mandatário com vista a acompanhamento; pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, a tutela ou a quem tenha sido confiado.
Prevê-se, assim, a figura informal da pessoa da confiança – pessoa indicada por quem tem necessidade de cuidados de saúde mental, com capacidade para consentir, para o apoiar no exercício dos seus direitos.
A Lei veio substituir o internamento compulsivo pelo tratamento involuntário, determinando novas regras. Nesse contexto, o tratamento involuntário pode ser determinado em caso de recusa de tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do próprio doente ou de terceiros.
O tratamento involuntário só pode ter lugar em casos estritamente necessários, se for a única forma de garantir o tratamento e deve ser proporcional à gravidade da doença mental, ao grau do perigo e à relevância do bem jurídico. Há uma preferência pelo tratamento involuntário em ambulatório, devendo o internamento ser considerado a última opção.
O processo tem natureza urgente e a decisão judicial sobre o tratamento involuntário deve ser devidamente fundamentada e com base em avaliação clínico-psiquiátrica do doente.
Alteração ao Código Penal
No âmbito da nova Lei da Saúde Mental, merece especial destaque a alteração ao Código Penal, designadamente, a revogação do artigo 92.º, n.º 3, eliminando-se a possibilidade de prorrogação sucessiva das medidas de segurança de internamento de cidadãos inimputáveis.
Ou seja, a nova Lei passa a impedir que qualquer cidadão, imputável ou inimputável, possa ser privado de sua liberdade com caráter perpétuo ou duração ilimitada ou indefinida, o que já é proibido pela Constituição portuguesa.
Uma medida de segurança é aplicada quando uma pessoa comete um facto previsto como crime na legislação penal, mas devido a uma condição de saúde mental é considerada incapaz, no momento da prática do ato, de avaliar a ilicitude de sua conduta ou de se determinar de acordo com essa avaliação. A pessoa, então, é considerada inimputável ou não culpável, de maneira que não pode ser-lhe aplicada uma pena.
Contudo, se o Tribunal considerar que em razão da gravidade do ato e da saúde mental a pessoa representa um perigo para a sociedade, face ao fundado receio de vir a cometer outros atos da mesma natureza, então pode ser-lhe aplicada medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado.
A medida de segurança de internamento deve ser periodicamente revista e deve cessar quando se considerar que cessou o estado de perigosidade. Além disso, não pode ultrapassar a duração máxima da pena prevista para o crime cometido, ainda que se trate de cidadãos inimputáveis.
Por exemplo: se a pessoa cometeu um crime de homicídio qualificado, cujo limite máximo da pena é de 25 anos de prisão, o limite máximo de internamento da pessoa inimputável será, igualmente, de 25 anos.
A cessação, manutenção ou revisão da medida depende sempre de determinação judicial, da qual cabe recurso. Mas após a cessação da medida de internamento, cessa a intervenção da Justiça, passando o acompanhamento a ser da competência da Segurança Social e da área da Saúde.
Frise-se que, a partir do momento em que o Tribunal ordene a cessação da medida de internamento, a pessoa passa a ser um cidadão ou cidadã livre.
A questão que se coloca é saber se a pessoa em causa, devido à doença mental e à recusa em manter o tratamento e o acompanhamento dos serviços de saúde mental, continua a representar um perigo para a sociedade.
Nesse caso, pese embora o fim da medida de segurança de internamento, entende-se que poderá ser decretado pelo Tribunal uma medida de tratamento involuntário, incluindo internamento involuntário, nos termos da Lei da Saúde Mental.