Foi aprovado na especialidade (artigo a artigo), na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o texto final sobre a despenalização da morte medicamente assistida em Portugal. O projeto segue agora para votação final global no Plenário e se for promulgado pelo Presidente da República, a morte medicamente assistida deixará de ser punível em Portugal, alterando o Código Penal.

Segundo o diploma, a morte medicamente assistida não é punível quando ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.” Os pedidos só são considerados legítimos quando apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional. 

A morte medicamente assistida poderá ocorrer de duas maneiras: 

a) Suicídio medicamente assistido, que é quando o próprio doente administra os fármacos letais, com a supervisão ou o apoio de um profissional de saúde, normalmente um médico.

b) Eutanásia, que é quando o médico ou outro profissional de saúde habilitado administra os fármacos letais no doente.

Tanto mais, a morte medicamente assistida somente será admitida em situações de doença grave e incurável ou de lesão definitiva e de gravidade extrema e sem possibilidade de cura, colocando a pessoa em completa dependência.

O diploma estabelece um prazo mínimo de dois meses a contar da data do pedido de abertura do procedimento, sendo obrigatório o acompanhamento psicológico do doente durante todo o processo, de forma a garantir a compreensão plena das suas decisões (salvo se o doente o rejeitar expressamente).

O direito de morrer ou de deixar morrer é um dos temas mais difíceis para o direito penal, sobretudo por não se restringir a esta área do conhecimento. A grande questão é saber se a autonomia individual, enquanto valor fundamental, implica que uma pessoa capaz possa dispor livremente da sua vida. Quais são os limites da autonomia do doente? Será lícito que conte com a ajuda de outra pessoa para tirar a sua própria vida?

Historicamente, a eutanásia nunca esteve ligada à questão da autonomia, expressando-se como morte piedosa, sem dor ou sem sofrimento, um quase deixar morrer naturalmente. Mas a eutanásia foi ao longo do tempo perdendo esse sentido, passando a ser entendida como o método ou ato que se destina a provocar a morte do doente desesperado, com fundamento no alívio do seu sofrimento (justificação médica) e no respeito pela sua autonomia pessoal (justificação não médica).

Mas a eutanásia costuma ser erroneamente empregue para significar realidades absolutamente diferentes, senão vejamos:

Define-se a eutanásia como a ação ou omissão pela qual o médico ou profissional de saúde devidamente habilitado põe termo à vida do paciente gravemente doente, a seu pedido ou para libertá-lo da dor e do sofrimento insuportável, com vista a possibilitar-lhe uma morte humanamente digna. É o que se designa de homicídio por compaixão ou ajuda para morrer. Por outro lado, a eutanásia é a antecipação da morte de quem se encontra no fim da vida, sendo o seu inverso a distanásia, isto é, o prolongamento artificial da vida de forma exasperada e desproporcional.

Diz-se que a eutanásia é a morte antes do seu tempo. Ao contrário da distanásia, que é a morte depois do tempo . A estas duas se contrapõe a ortotanásia, que é a morte no tempo certo.

No caso da ortotanásia o médico não interfere no processo natural da morte, nem para antecipá-lo nem para adiá-lo. Mantém apenas os cuidados básicos ao doente. Com efeito, a prática da ortotanásia é largamente aceita tanto pela ética médica como pelo direito, sendo considerada um ideal a ser atingido.

Noutra perspetiva, a ortotanásia visa precisamente evitar a distanásia, que é a morte lenta e sofrida, protelada, sem nenhuma preocupação com o conforto ou com a vontade do doente. A distanásia corresponde ao que se designa obstinação ou encarniçamento terapêutico.

No entanto, não raramente confunde-se o significado da ortotanásia com o da eutanásia passiva, obscurecendo ainda mais o sentido dos debates, na medida em que coloca no mesmo plano todo o tipo de abstenção de tratamento. Trata-se, na realidade, de uma imprecisão conceitual, pois que na eutanásia passiva suspende-se deliberadamente as medidas de suporte vital indicadas para o caso, enquanto na ortotanásia suspende-se as medidas que perderam sua indicação por resultarem inúteis para o doente.

De acordo com o modo de execução, a eutanásia se divide em ativa, se decorrente de ação (matar), e passiva, se ao contrário o resultado morte advém de uma omissão (deixar morrer).

Importa sublinhar que a morte assistida atualmente pode ser punida em Portugal através de três condutas tipificadas no Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º).

É precisamente para despenalizar a conduta de quem pratica a morte medicamente assistida, seja por meio de eutanásia ou colaborando com a prática do suicídio pelo doente, que está em vias de aprovação o projeto de lei que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível em Portugal.

Em princípio, é o próprio paciente que deve decidir o que entende ser o melhor para si, mas a situação se complica quando não está em condições de exprimir uma vontade real, atual e informada, suscitando outros grandes questionamentos. 

Por fim, só o médico ou profissional de saúde habilitado poderá praticar a morte medicamente assistida nos termos legais, mas poderá sempre fazer valer o seu direito de objeção de consciência. 

NOTA: Após a publicação desse texto, no dia 12 de maio de 2023, depois de dois vetos presidenciais e duas declarações de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o Parlamento português aprovou pela quinta vez o diploma que prevê a despenalização da morte medicamente assistida em Portugal. O Projeto de Lei 74/XV revisto foi enviado para promulgação do Presidente da República e a morte medicamente assistida deixará de ser punível em Portugal, alterando o Código Penal. 

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