É assente que os deveres decorrentes da maternidade e da paternidade nem sempre permitem promover de forma equânime o projeto de vida de cada um dos cônjuges, pessoalmente e também no âmbito da vida familiar. E quer queiramos quer não, as carreiras profissionais das mulheres ainda são as mais prejudicadas porque são as mulheres quem na grande maioria renunciam ao desenvolvimento e progressão na profissão que possam pôr em causa a estabilidade da família, colocando-as em desvantagem no plano financeiro comparativamente ao homem, o que deve ser encarado como uma desigualdade de género

Com efeito, por força do n.º 2 do artigo 1676.º do Código Civil, o legislador veio prever, em caso de divórcio, um crédito compensatório a que terá direito o cônjuge que tenha contribuído de forma consideravelmente superior para os encargos da vida familiar, a exigir no momento da partilha. [1]

Admite-se por isso uma compensação ao cônjuge que em consequência do divórcio, pela sua dedicação e contribuição a mais do que lhe cabia para os encargos da vida familiar, isto é, pelo trabalho despedindo no lar ou na manutenção e educação dos filhos, prejudicaram e puseram em causa a sua independência financeira e a sua vida profissional.  

E assim é porque os deveres de cooperação e de assistência são deveres conjugais a que os cônjuges se obrigam em decorrência do contrato matrimonial e a que estão reciprocamente vinculados.  

Por conseguinte, o critério de contribuição para a vida familiar é aferido por um princípio de proporcionalidade sobre as possibilidades de cada um dos cônjuges e pode ser cumprido tanto pela afetação dos seus rendimentos para as despesas da família como pelo trabalho despendido no lar e no acompanhamento e educação dos filhos. 

Mas também, esse crédito de compensação é adaptado à realidade familiar contemporânea, com a mulher ainda a ter de compatibilizar a sua atividade profissional e a sua realização pessoal com o tempo e o trabalho dedicado ao lar e à educação dos filhos, contribuindo assim, não só com os seus rendimentos para os encargos da família, como também, ocupando grande parte do seu tempo nas atividades domésticas.

O que importa é que essa contribuição advenha do facto de ter renunciado de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor do casal e da família, ocasionando um prejuízo, um manifesto desinvestimento na sua vida pessoal em prol da vida familiar, ficando em desvantagem económica em relação ao outro cônjuge após o divórcio. 

Em outras palavras, esse crédito de compensação pretende corrigir o desequilíbrio que poderá se verificar no final da comunhão de vida, no caso de se concluir que a contribuição de um dos cônjuges em recursos e em trabalho não remunerado em benefício da família não foi proporcional às possibilidades do outro, refletindo numa desigualdade de capacidade aquisitiva de rendimentos quando a sociedade conjugal se desfaz.

Com isto, o que se pretende é dignificar e valorizar o trabalho não remunerado, desempenhado exclusiva ou simultaneamente com o trabalho remunerado, que sobrecarregue um dos cônjuges relativamente ao outro na contribuição para os encargos da vida familiar. O objetivo é a reposição do equilíbrio entre os cônjuges, pois que do divórcio não deve resultar nem o enriquecimento nem o empobrecimento de nenhum dos ex-consortes.  


[1] Prescreve o Código Civil:

Artigo 1676.º

(Dever de contribuir para os encargos da vida familiar)

1. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e por ser cumprido, por qualquer deles, pela afetação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

2. Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.

3. O crédito referido no número anterior só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.

4. Não sendo prestada a contribuição devida, qualquer dos cônjuges pode exigir que lhe seja diretamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar.

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